quinta-feira, 31 de março de 2011

EDUCAÇÃO NO CAMPO




“Então o camponês descobre que, tendo sido capaz de transformar a terra, ele é capaz também de transformar a cultura, renasce não mais como objeto dela, mas também como sujeito da história”. A frase de um dos maiores pensadores da educação no Brasil, Paulo Freire, resume a importância da escola para as populações que habitam as zonas rurais do país. Estimada em mais de 30 milhões, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2004, a população que mora no campo é equivalente ao número de habitantes de países como a Argentina e o Canadá. Mesmo com o alto índice de êxodo rural registrado entre 1980 e 1991 - aproximadamente 13 milhões de pessoas trocaram o campo pela cidade durante este período, segundo o IBGE -, são ao todo 7,5 milhões de alunos matriculados em escolas rurais, conforme dados do Censo da Educação Básica de 2006. O número equivale à população da Suíça, porém, os indicadores sócio-econômicos e educacionais, apesar de terem melhorado, ainda estão defasados em relação à realidade encontrada nas áreas urbanas. As taxas de freqüência escolar no ensino fundamental do campo, por exemplo, subiram dez pontos percentuais, passando de 83% em 2000, para 91,6% em 2004. Entretanto, a escolaridade média de pessoas com 15 anos ou mais que vive na zona rural (quatro anos) corresponde a metade estimada para a população urbana (sete anos e meio). Os desníveis também são acentuados em relação às taxas de analfabetismo. Dados da PNAD 2004 mostram que 29,8% da população adulta da zona rural é analfabeta, enquanto na zona urbana essa taxa é de 8,7%. Para o professor do Departamento de Educação da Universidade Federal de Viçosa (UFV), Willer Barbosa, um dos problemas mais candentes para os processos educacionais é a construção de projetos políticos pedagógicos descolados da realidade mais local e mais geral. “O período letivo precisa estar em conformidade ao calendário de trabalho dos educandos e de suas famílias, mesmo que para isso exceda o ano base. Parece-me que o estreitamento do ano escolar pelo ano civil não permite que as escolas acolham devidamente seus sujeitos, afinal, o mais importante é promover a progressão com aprendizagem, mesmo que para isso a escola desenvolva projetos específicos em períodos não letivos”, defende. Com o objetivo de diminuir as diferenças educacionais entre campo e cidade, o Conselho Nacional de Educação (CNE) aprovou em 2002 as Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo. Elas contemplam um conjunto de preocupações conceituais e estruturais presentes historicamente nas reivindicações dos movimentos sociais, como: o reconhecimento e valorização dos povos do campo, a formação diferenciada de professores, a possibilidade de diferentes formas de organização da escola, a promoção do desenvolvimento sustentável, entre outras. Doutora em Educação pela Universidade Federal de Goiás (UFG), a professora Lindalva Maria Novais Garske ressalta a importância da participação dos movimentos sociais na melhoria da educação no campo e na aprovação das diretrizes operacionais da educação no campo. Segundo ela, a luta de organizações não governamentais como o Movimento dos Sem Terra (MST) está completamente alinhada aos anseios da população que mora no campo. “Eles têm objetivos claros, valorizam a escola e exigem o cumprimento dos seus direitos”, destaca. Após estudar de perto a realidade das escolas rurais, Garske aponta para a necessidade de se implantar uma educação mais arrojada no campo. “Quem está acostumado com a gestão de uma escola urbana, logo percebe que a educação no campo avança ainda mais no detalhamento daquilo que se espera de uma gestão democrática”, diz. Ela acredita que a expectativa das pessoas é essa, até mesmo porque a escola tem um papel fundamental na vida dessas pessoas, está mais próxima do cotidiano delas no meio rural. (Renata Chamarelli)

ALUNOS DO CAMPO SE DIVIDEM ENTRE LAR E ESCOLA Autor: João Bittar/Arquivo MEC ________________________________________

No sertão da Bahia, em uma região extremamente seca, cerca de trinta estudantes das séries finais do ensino fundamental alternam seu tempo entre a casa e o colégio. São alunos da Escola Família Agrícola (EFA) de Andaraí, localizada na Fazenda Sobral, a cerca de 28 Km da sede do município de Andaraí. Durante quinze dias eles ficam na instituição, em regime de internato, e por mais quinze dias permanecem em suas casas. No período em que estão na escola, além das disciplinas normais de 5ª a 8ª série (6º ao 9º ano) os alunos também aprendem a lidar com a criação de animais – cabras, porcos e vacas – e com plantas. “Como a área da escola é pequena e a região tem problema de falta d’água, optamos por ensinar o cultivo de pequenas hortaliças, que podem ser molhadas com um regador”, diz o diretor da EFA, Gilson de Souza Santos, que também é professor de matemática. A instituição tem cinco professores, chamados pelo movimento de monitores, e um coordenador. Diariamente, um deles dorme na escola e fica responsável pelo atendimento aos alunos. O ensino prático é ministrado por um técnico agrícola, que mora no local. A EFA de Andaraí foi criada em 2001, para atender às famílias dos pequenos agricultores e dar suporte aos assentamentos da região, como Santa Luzia de Gamelas, Mocambo, e Santa Clara. O município, que tem em torno de 14 mil habitantes, fica a aproximadamente 400 Km de Salvador. No município de São Mateus, no Espírito Santo, a cerca de 40 Km de Vitória, encontra-se a EFA do Km 41. Localizada na Rodovia Miguel Curry Carneiro, a escola está inserida em uma região com inúmeras plantações: café, pimenta do reino, macadâmia, cacau, eucalipto, feijão, e milho, são algumas delas. A região, com uma população diversificada que inclui moradores de assentamentos, quilombolas e descendentes de italianos, também atua no setor de pecuária de corte e de leite. “Os 96 alunos, de 5ª a 8ª série, foram divididos em duas turmas, que se alternam, semanalmente. Enquanto um grupo está na escola, o outro está em casa”, adianta o diretor, Manoel Brandão Simões, professor da área agrícola. A instituição também adota a escala de um monitor responsável, a cada dia, para dormir na escola. Uma das formas que a escola utiliza para verificar se os alunos estão aplicando o que aprendem é durante visitas às famílias, já que os estudantes de cada turma ficam responsáveis por desenvolver uma experiência diferente em casa. “Aos alunos da 5ª série cabem as hortaliças de folhas, como alface, couve e cebolinha; já os da 8ª série devem manter culturas anuais, como milho, feijão e amendoim”, explica o diretor. Além disso, os alunos também aprendem a cuidar de pequenas criações como peixes, porcos e abelhas, a nível familiar. Protagonista – A coordenadora pedagógica da EFA do Km 41, Neuza Barcelos Belucio, que já lecionou na cidade, observa algumas diferenças entre os alunos do meio urbano e os da EFA. “Na EFA o aluno é protagonista de seu próprio conhecimento. O professor atua mais como um monitor, auxiliando o estudante nessa busca”, ressalta. Ela destaca, ainda, que há um relacionamento mais próximo dos alunos com professores e funcionários. “Os jovens conversam, pedem ajuda, e as famílias também estão muito presentes”. Segundo Neuza, como a escola funciona em regime de internato, no início de cada ano é feita uma assembléia para votar as normas de vida em grupo. Na ocasião, os estudantes tomam várias decisões em grupo. Eles decidiram, por exemplo, que os telefones celulares devem ser guardados pela escola, sendo solicitados somente em caso de necessidade. As duas instituições fazem parte da União Nacional das Escolas Famílias Agrícolas do Brasil (Unefab), que congrega 158 escolas famílias em todo o Brasil. Surgidas na França, em 1935, essas escolas se espalharam pelo mundo, chegando ao Brasil no final da década de 1960, com a criação do Movimento da Educação Promocional do Espírito Santo (Mepes). Esse movimento se baseia em quatro princípios fundamentais: associação, pedagogia da alternância, formação integral, e desenvolvimento local sustentável e solidário. Pedagogia da alternância – O ponto principal é a utilização da pedagogia da alternância, na qual o estudante fica um período interno na escola e outro em casa. “Basicamente, essa pedagogia alterna tempos e espaços na escola (meio escolar) e na casa (meio sócio-profissional)”, diz o secretário executivo da Unefab, David Rodrigues de Moura. Segundo ele, “esse sistema de ensino foi criado para atender os jovens que viviam no campo, com atividades rurais e não se adaptavam ao ensino convencional, mais voltado para a realidade urbana.” A pedagogia da alternância, desde o seu nascimento tem sempre buscado, além da educação, a formação profissional e integral para o desenvolvimento sustentável e solidário do meio. David salienta que muitas escolas lutam com dificuldades para garantir o ensino, devido à falta de recursos públicos, embora sejam comunitárias. Elas funcionam, geralmente, em parceria com governos estaduais e municipais, entidades privadas e as famílias dos alunos, organizadas em associações autônomas, responsáveis pela gestão e animação das mesmas. “Os Estados do Espírito Santo, Amapá e Minas Gerais já conseguiram aprovar uma lei que garante recursos para as EFAs. Essas conquistas de políticas públicas com o devido financiamento têm garantido um melhor desempenho desse projeto educativo de educação do/no campo. Em outros estados, o movimento das EFAs ainda está lutando para isso”, ressalta o secretário executivo da Unefab. (Fátima Schenini)

PROFESSORES DO CAMPO TÊM FORMAÇÃO ESPECÍFICA ________________________________________

“A saudade dói, mas temos que nos arriscar para poder garantir um futuro melhor para a gente e para a nossa comunidade”, diz Lucimário do Carmo de Paula, de Formosa, Goiás. Ele é um dos 55 alunos do curso de licenciatura em educação do campo, que teve início na última semana de outubro, no campus de Planaltina da Universidade de Brasília (UnB), no Distrito Federal. Casado, 30 anos, com dois filhos, Lucimário acredita que não será fácil ficar longe da família, mas o sacrifício vai valer a pena. “É difícil ter uma oportunidade igual a essa”, salienta. O curso, com duração de quatro anos (3.525 horas/aula), adota a estratégia de tempo-escola e tempo-comunidade: os alunos passam cerca de 60 dias na instituição, em regime de internato, com oito horas diárias de atividade, e 120 dias na comunidade onde vivem. No período de aulas, os estudantes ficam hospedados na Escola Técnica de Planaltina. “Dessa forma, queremos garantir que o acesso ao ensino superior não seja condição que obrigue os estudantes a deixar de viver e morar no campo”, explica a coordenadora dessa licenciatura na UnB, professora Mônica Castagna Molina. Os estudantes são oriundos da área rural, têm vínculo com a área e querem atuar no campo. "Essa licenciatura é parte da estratégia do governo federal de criar táticas para possibilitar a expansão da oferta da educação básica no campo, formando mais educadores e garantindo que estes tenham a titulação exigida pela legislação educacional brasileira", salienta Mônica. Os integrantes dessa turma são de vinte comunidades rurais, das localidades de Gama, Planaltina, Recanto das Emas, e São Sebastião (DF), Cavalcante, Formosa e Planaltina (GO), Barra dos Bugres e Tangará da Serra (MT) e Anastácia, Angélica, e Ponta Porá (MS). O curso vai formar educadores para trabalhar nos anos finais do ensino fundamental e do ensino médio. O diferencial é a formação para a docência multidisciplinar. O diplomado será habilitado para atuar como professor em uma das grandes áreas do conhecimento (Artes, Literatura e Linguagens e Ciências da Natureza), de forma que possa lecionar em mais de uma disciplina da área que escolher. Oportunidade – Para Luernandi Alves de Miranda, 21 anos, de Barra dos Bugres, no Mato Grosso, “fazer esse curso é uma maneira de ajudar a desenvolver projetos dentro da comunidade onde reside”. Morador em um sítio, junto com os pais e cinco irmãos, onde cultivam bananas, foi o único da família que teve oportunidade de fazer um curso superior. “Meus pais acharam muito bom eu poder participar,” destaca o jovem. A expectativa de Rosana da Silva Moreira, 23 anos, casada, com uma filha e grávida de outra, é poder atuar como professora depois de formada e, dessa forma, poder levar um ensino melhor para quem mora no campo. “Meu marido não gostou muito da idéia de eu ficar tanto tempo fora de casa, mas ele acaba se acostumando”, aposta Rosana, que é moradora do assentamento Antônio Conselheiro, há cerca de 60 Km do município de Barra dos Bugres. “A zona rural precisa de professores que gostem de estar lá e que abracem mesmo esta causa”, destaca Núria Renata Alves Nascimento, 27 anos, solteira, moradora da comunidade calunga de Engenho II, em Cavalcante, Goiás. Professora concursada do Estado, em caráter temporário, ela dá aulas na comunidade desde 2004. Está participando do curso porque quer melhorias. “Adoro dar aulas. É a minha paixão”. A licenciatura em educação no campo da UnB é um projeto do Programa de Apoio à Formação Superior em Licenciatura em Educação do Campo (Pro campo), da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade do Ministério da Educação (Secad/MEC). Além da UnB, outras instituições participam do Pro campo: Universidade Federal de Minas Gerais, Universidade Federal da Bahia e Universidade Federal de Sergipe. (Fátima Schenini)

Fonte: www.google.com.br

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